O WESTERN
ENTRE A HISTÓRIA E O MITO:
A ARTE DO OESTE AMERICANO
NO WESTERN DE HOLLYWOOD
The Western
Between History and Myth:
Art of the American West
in the Hollywood Western
Dr. Jorge Manuel Neves Carrega
Investigador de Cinema
Faro - Portugal
Recibido el 22 de Junio de 2015
Aceptado el 30 de Julio de 2015
Resumen. Tendo surgido no início do séc. XIX, a arte sobre o Oeste americano, constitui parte de um folclore que transformou o cowboy no mais poderoso símbolo americano dos séculos XIX e XX. A influência de artistas como Frederic Remington e Charles Russell, na cultura popular dos EUA, é particularmente visível no western clássico de Hollywood. Ao assimilar os valores formais e ideológicos que caraterizam a obra destes artistas, cineastas como John Ford, Raoul Walsh e John Sturges, realizaram uma verdadeira simbiose entre o cinema e o primeiro movimento artístico americano. No entanto, o western de Hollywood nunca foi um mero exercício estético, constituindo uma expressão das profundas transformações que a sociedade americana sofreu ao longo do século XX.
Palabras clave. Arte, Oeste Americano, Western de Hollywood, John Ford, Cecil B. DeMille, Raoul Walsh, Michael Curtiz, John Sturges, Frederic Remington, Charles Russel, Charles Scheryvogel..
Abstract.Emerging earlier in the XIX century, the art of the American West, is part of a folklore that transformed the cowboy in the most powerful American symbol of the nineteenth and twentieth centuries. The influence of artists such as Frederic Remington and Charles Russell in US popular culture is particularly noticeable in the classical Hollywood western. By assimilating the formal and ideological values that characterize the work of these artists, filmmakers like John Ford, Raoul Walsh and John Sturges, developed a true symbiosis between this film genre and the first truly American artistic movement. However, the Hollywood western has never been a mere aesthetic exercise; it was also the expression of the profound changes that American society suffered throughout the twentieth century.
Keywords. Art, American West, Hollywood Western, John Ford, Cecil B. DeMille, Raoul Walsh , Michael Curtiz , John Sturges, Frederic Remington, Charles Russell, Charles Scheryvogel.
El Dorado (1966), foto coleção do autor ©Paramount Home Entertainment.
A Arte e a História do Oeste americano no Western de Hollywood
Meio século após a Declaração da Independência os EUA atravessaram uma importante fase de crescimento económico e populacional. As indústrias do Norte e do Leste do país necessitavam de matérias-primas, e as cidades portuárias recebiam diariamente milhares de imigrantes vindos da Europa, em busca de uma nova vida. Perante este cenário, o governo norte-americano implementou uma política expansionista que teve como alvo principal os territórios do Oeste, povoados por diversas tribos de nativos americanos. O início deste processo colonialista remonta ao Indian Removal Act (assinado em 1830 pelo Presidente Andrew Jackson), mas o seu grande momento simbólico foi a chamada abertura do Oregon Trail em 1843, a primeira expedição organizada em larga escala com vista a povoar os territórios do Oeste. Este movimento migratório, que continuou com a descoberta de ouro na Califórnia em 1848 e prata no território do Nevada em 1859, generalizou-se, após o fim da Guerra da Secessão em 1865, a territórios como Oregon, Texas, Novo México e por fim o Oklahoma (1).
O papel desempenhado pela imprensa no desenvolvimento do projeto expansionista americano foi decisivo. A Horace Greely e John 0’ Sullivan (em 1841 e 1845, respetivamente) se ficaram a dever dois importantes editoriais que serviram de base ideológica para a conquista do Oeste. Para as elites americanas, culturalmente influenciadas pela tradição colonialista britânica, os EUA tinham o direito natural de reclamar estes territórios e todas as suas riquezas. O conceito de Manifest Destiny tornou-se, deste modo, um instrumento determinante no desenvolvimento do capitalismo norte-americano, através da legitimação de uma política colonialista que reclamou as riquezas naturais e os territórios dos povos nativos.
Foi durante este período de crescimento e expansão nacional (marcado pela guerra civil) que se verificou-se o boom da imprensa nos EUA, a qual, para além de se afirmar como órgão de informação, desenvolveu igualmente uma oferta editorial de caráter essencialmente lúdico, que lhe permitia funcionar como uma verdadeira indústria de entretenimento (2). Confrontada com a necessidade de imagens e ilustrações, que tornassem mais apelativas as noticias e histórias (verdadeiras ou fictícias) que publicavam diariamente sobre a conquista do Oeste, os jornais e revistas recorreram aos serviços de um número considerável de ilustradores (3).
A arte do Oeste americano desenvolveu-se numa relação direta com o processo histórico da conquista do Oeste, participando na construção de uma mitologia nacional que transformou a figura do cowboy no símbolo de todo um conjunto de valores culturais e ideológicos que constituem, ainda hoje, parte essencial da identidade dos EUA. A busca da terra prometida transforma-se deste modo num tema central da cultura americana, expressa na obra de pintores como George Caleb Bingham e Albert Bierstadt que, em trabalhos como The Emigration of Daniel Boone (1851) e Emigrants Crossing the Plains (1867), respetivamente, imortalizaram esse enorme êxodo populacional que veio dar nova forma à nação americana. Várias décadas depois, o cinema viria também a representar esta epopeia migratória do Oeste, em filmes como The Covered Wagon (J. Cruze,1923), The Big Trail (R. Walsh, 1930), Cimarron (W. Rugles, 1931), Wagon Train (J. Ford, 1950) e Across the Wide Missouri (W. Wellman, 1951), que beberam inspiração no trabalho dos pintores do séc. XIX.
Emigrants Crossing the Plains de Albert Bierstadt (www.paintingdb.com).
Até meados do séc. XIX, os artistas que pintaram o Oeste americano revelavam uma motivação essencialmente etnográfica. Na obra de Seth Eastman, George Catlin, Alfred Jacob Miller ou Karl Bodmer, para além do evidente fascínio exercido pelas magníficas paisagens naturais dos EUA, percebe-se um profundo interesse pelo índio americano e o seu modo de vida (4). Esta vertente etnográfica continuaria a fazer-se sentir na obra de uma segunda geração de pintores do Oeste americano, mas o aumento do êxodo de colonos brancos para os novos territórios, nos anos que se seguiram à guerra civil, conduziu inevitavelmente a um interesse por temáticas distintas, sem dúvida estimulado pela cobertura jornalística da vida na fronteira. Influenciados pelo universo narrativo das dime novels, os pintores e ilustradores norte-americanos do final do século XIX, revelam uma clara preferência por situações de ação dramática e por vezes violenta, nas quais o cowboy e a cavalaria dos EUA assumem o protagonismo. Em trabalhos como Tenderfoot (1900), Roping a Grizzly (1903) e A Quiet Day in Utica (1907) de Charles Russell, An Unexpected Enemy (1900) e Attack at Dawn (1904) de Charles C. Schreyvogel ou The Alert (1888), The Quest (1901), e Fight for the Water Hole (1903) de Frederic Remington, estes artistas captaram de modo notável todo o drama e a violência que caracterizou a vida na grande fronteira americana.
O desenvolvimento e a popularização da fotografia, nas últimas décadas do séc. XIX, veio libertar os artistas da necessidade de trabalharem dentro de um registo realista, abrindo efetivamente o caminho para a arte abstrata. Contudo, o que carateriza a arte western é precisamente a sua forte tendência naturalista. Remington, Russel e Schreyvogel, souberam retirar grandes lições dos trabalhos de Eadward Muybridge, em particular no que diz respeito à representação de animais em movimento, aspeto que contribuiu decisivamente para o caráter dinâmico e o cunho realista da sua obra (5). Ao optar pela representação dos acontecimentos no momento de maior impacto, estes artistas souberam expressar nos seus trabalhos um notável sentido de ação e movimento, cujas caraterísticas podemos inclusive considerar pré-cinematográficas. Na verdade, ao analisar pinturas como Breaking Through the Line (1895) de Charles Schreyvogel e Downing the Nigh Leader (1907) Frederic Remington, é possível intuir a influência destas obras nos westerns de realizadores como Edwin S. Porter e John Ford.
Breaking Through the Line de Wolfgang Sauber
(www.encore-editions.com).
Quando, no início do séc. XX, o cinema emergiu como fenómeno sociocultural (ao desenvolver-se numa grande maquina narrativa), transformando-se assim numa indústria de entretenimento, o folclore do velho Oeste encontrava-se já perfeitamente cristalizado no imaginário coletivo norte-americano, graças a uma miríade de romances de cordel (ou dime novels), pinturas, ilustrações e litografias disseminadas pela imprensa e representações teatrais das aventuras de personagens célebres como Davy Crocket, Bufallo Bill, Annie Oakley e Jesse James, personagens que a cultura popular havia já mitificado. Deste modo, enquanto género cinematográfico, o western nasceu do encontro entre o cinema e o mito, bebendo a sua inspiração num folclore, do qual a 7ª arte retirou todo um conjunto de temas e de fórmulas narrativas e visuais que, em larga medida, haviam já moldado o gosto e definido as expectativas do público norte-americano, determinando significativamente, o modo como o cinema de Hollywood veio a representá-los.
Para além da influência da arte e do folclore do Oeste, o desenvolvimento do western enquanto género cinematográfico é indissociável da história dos EUA. Ao recriar e reinterpretar um passado histórico, transformando-o em mito, o western reflete em larga medida a realidade política e sociocultural americana nos diferentes períodos em que estes filmes foram realizados (6). O nascimento do cinema, nos finais do séc. XIX, coincidiu com o encerramento da fronteira americana. Em poucos anos, a 7ª arte transformou-se no principal veículo de representação e difusão de todo um folclore nacional, permitindo manter viva a memória idealizada da conquista do Oeste. O western desenvolveu-se rapidamente como um género cinematográfico popular, o favorito do público infanto-juvenil que seguia avidamente as aventuras das primeiras estrelas do género: Bronco Billy, William S. Hart, Tom Mix e Buck Jones. Contudo, no final da I Guerra Mundial, uma nova geração de realizadores (os discípulos de D.W. Griffith e Tomas Ince): Henry King, Raoul Walsh, Jack Conway, John Ford, James Cruze e Victor Fleming, desenvolveram o western épico de fôlego histórico. Em filmes como The Covered Wagon (J. Cruze, 1923), The Iron Horse (J. Ford, 1924), The Winning of Barbara Worth (H. King, 1926) e The Virginian (V. Fleming, 1929), os grandes pioneiros do cinema clássico de Hollywood (geração que cresceu com o mito do Oeste e a crença na fronteira como promessa de liberdade e prosperidade) (7), transformaram o western não só numa forma de arte popular, mas também, no mais representativo género da ideologia politica e económica americana.
Apesar de ter sido largamente relegado para a serie B, durante os anos trinta, o western emergiu no final dessa década, como um dos mais importantes géneros do cinema de Hollywood. Muitos autores atribuíram este “renascimento” do western ao êxito crítico e comercial obtido pelo célebre Stagecoach (J. Ford, 1939) de John Ford. Contudo, esta revalorização de um género cinematográfico até então largamente menosprezado pela crítica e pelas elites intelectuais ficou a dever-se a um conjunto de circunstâncias históricas, nomeadamente a recuperação económica estimulada pelo New Deal e a emergência do regime nazi, que conduziu ao início da II Guerra Mundial em 1939.
The Plainsman, coleção do auto,r
©Universal Pictures Benelux.
Foi na verdade Cecil B. DeMille, e não John Ford, quem iniciou a recuperação do western e a sua institucionalização definitiva como versão cinematográfica da epopeia americana. Com The Plainsman (C. DeMille,1936) (protagonizado por Gary Cooper e Jean Arthur), o prestigiado realizador, aclamado por êxitos como The Ten Commandments (C. DeMille, 1923), The King of Kings (C. DeMille, 1927) e Cleopatra (C. DeMille, 1934), ajudou a mudar a perceção dos grandes estúdios relativamente a um género que era então sinónimo da chamada poverty row. O êxito alcançado por The Plainsman em 1937, veio renovar a confiança dos grandes estúdios no western épico, estimulando uma aposta em produções ambiciosas, realizadas por grandes nomes do cinema clássico de Hollywood (8). O primeiro destes filmes foi Jesse James (H. King, janeiro 1939), seguido pela estreia quase simultânea de Stagecoach (J. Ford, março 1939), Dodge City (M. Curtiz, abril 1939), Union Pacific (C. DeMille, abril 1939) e Frontier Marshal (A. Dwan, junho 1939) (9).
Tão importante como DeMille e Ford, no renascimento do western em finais dos anos trinta, foi o húngaro Michael Curtiz, que realizou três êxitos consecutivos: Dodge City (M. Curtiz 1939), Virginia City (M. Curtiz, 1940) e Santa Fé Trail (M. Curtiz, 1940). O realizador era então o mais importante house director da Warner Bros., o primeiro estúdio americano a assumir uma política anti isolacionista e a denunciar abertamente a séria ameaça que o regime nazi constituía, não apenas para os EUA, mas para os valores civilizacionais do mundo ocidental (10).
Foi assim em vésperas da II Guerra Mundial (na temporada de 1938/1939), um período em que o cinema de Hollywood atingia o apogeu da sua arte clássica (11), que teve início a primeira era de ouro do western sonoro (12). Com efeito, à medida que a guerra provocada pela demência nazi assolava o continente europeu, tornando inevitável a entrada dos EUA no conflito, o western emergiu como representação de uma mitologia nacional, que apelava ao espirito patriótico dos espetadores através da exaltação de heróis e valores tradicionais americanos. Naturalmente, estes filmes refletem mais as preocupações da América contemporânea do que o passado que evocam (13). Assim, em Union Pacific (C. DeMille, 1939), o extraordinário empreendimento que foi a construção da linha férrea que ligou pela primeira vez as duas costas dos EUA, suscita inevitavelmente comparações com o ambicioso plano de obras públicas lançado pela administração Roosevelt, o qual permitiu expandir e modernizar a rede viária nacional, criando milhões de postos de trabalho que permitiram restaurar parcialmente a coesão social do país.
Num período em que os ventos de guerra sopravam já imparáveis, é sintomático que em filmes como Dark Command (R. Walsh, 1940) e Santa Fé Trail (M. Curtiz, 1940) (cuja ação decorre nas vésperas da guerra civil), os protagonistas enfrentem terroristas fanáticos, cujas ações colocam em perigo a paz social. No filme de Curtiz, o vilão é o polémico John Brown, personagem histórica que iniciou uma guerrilha sangrenta contra comunidades esclavagistas, mas que, na interpretação de Raymond Massey (sob orientação do realizador) é representado como um “Hitler embrionário” (14). Pelo contrário, a personagem do jovem tenente George Custer, surge representada pelo futuro Presidente Ronald Reagan como um afável e heroico patriota.
Um dos westerns mais importantes deste período foi sem dúvida They Died with Their Boots On (R. Walsh, 1941), obra que narra a vida do General George Custer, desde a sua entrada na academia militar de West Point até à morte na batalha de Little Big Horn em 25 de junho de 1876. O filme de Walsh, que glorifica o sacrifício de Custer e do 7º regimento de cavalaria, constituiu, à luz da realidade histórica, um exercício quase hagiográfico, mas emocionou os americanos quando estreou no final de 1941, quase em simultâneo com o ataque japonês a Pearl Harbour, e a consequente entrada dos EUA na II Guerra Mundial. Na ressaca do dia da infâmia, e alarmado com as notícias que chegavam de Bataan e Corregidor, o público norte-americano encontrou no sacrifício de Custer e dos seus soldados, um símbolo de coragem e patriotismo que ajudou a superar psicologicamente a humilhação nacional, abrindo o caminho para a vitória final. Como não podia deixar de ser, o filme de Walsh revela, na encenação da batalha de Litlle Big Horn, uma notória influência da tradição representativa deste episódio histórico, em particular pinturas como Custer’s Last Rally (1881) de John Mulvanye, Custer’s Last Stand (1891) e Caught in the Circle (1892) ambas de Frederic Remington, e o popular Custer’s Last Figth (1886) de Cassily Adams, obras bastante conhecidas pois haviam sido reproduzidas em massa através de litografias.
They Died with Their Boots On (1941), coleção do autor, ©Warner Home Video.
Custer’s Last Rally de John Mulvany
(www.stilllifewithgirl.files.wordpress.com).
O Western no pós- guerra
Os anos do pós-guerra, em particular o período de 1946 a 1960, representam o apogeu de um género cinematográfico que enriqueceu o classicismo com elementos maneiristas. O chamado western psicológico e o western-noir, assinalam, em filmes como Pursued (R. Walsh, 1947) ou Warlock (E. Dmytryk, 1959), o início da deterioração do mito do cowboy, representando um claro sintoma das profundas transformações socioculturais despoletadas pela guerra.
Foi no final da II Guerra Mundial que John Ford assumiu definitivamente o estatuto de patriarca do género. Entre os westerns mais importantes deste cineasta, destaca-se um tríptico que o realizador dedicou à cavalaria americana, e no qual assumiu uma posição politicamente conservadora, fortemente motivada pelo contexto da Guerra Fria. Em Forte Apache (J. Ford, 1947), She Wore a Yellow Ribbon (J. Ford, 1949) e Rio Grande (J. Ford, 1950), Ford encarou o western como um território fértil para a expressão de valores patrióticos, exprimindo a sua profunda convicção na importância da instituição militar (15).
A influência da arte do Oeste americano no cinema de Hollywood, é particularmente notória neste período, em que a generalização do uso da fotografia a cores e a introdução de novos formatos de ecrã (como o Cinemascope e o VistaVison), estimularam uma tendência pictórica, particularmente visível na utilização de cores vibrantes que evocam o trabalho de artistas como Remington, Russell e Schreyvogel. Os westerns do pós-guerra testemunham a importância das fecundas colaborações que se estabeleceram entre os principais cineastas do género e os seus diretores de fotografia. Assim, merece destaque a colaboração de Winton Hoch com John Ford em Three Godfathers (J. Ford, 1948), She Wore a Yellow Ribbon (J. Ford, 1949) e The Searchers (J. Ford, 1956) e William Clothier que trabalhou com o cineasta em The Horse Soldiers (J. Ford, 1958), The Man who shot Liberty Valance (J. Ford, 1962) e Cheyenne Autumn (J. Ford, 1964) e com John Wayne em The Álamo (J. Wayne,1960) e The Comancheros (M. Curtiz, 1961). Igualmente importante foi a colaboração estabelecida entre John Sturges e Charles B. Lang Jr., em filmes como Gunfight at Ok Corral (J. Sturges, 1957), Last Train to Gun Hill (J. Sturges, 1959) e The Magnificent Seven (J. Sturges 1960). Com efeito, Lang Jr. foi um dos mais solicitados diretores de fotografia nos westerns de Hollywood dos anos cinquenta, tendo trabalhado com Anthony Mann em The Man from Laramie (A. Mann, 1955) e Budd Boetticher em Decision at Sundown (B. Boetticher, 1957). Igualmente interessante foi o trabalho desenvolvido por Charles Lawton nos westerns de Delmer Daves: Jubal (D. Daves, 1956) e Cowboy (D. Daves, 1958), e nos clássicos de Budd Boetticher: The Tall T (B. Boetticher, 1957) e Ride Lonesome (B. Boetticher, 1959) que lhe valeram o reconhecimento do mestre Ford, com quem colaborou em Two Rode Together (J. Ford, 1961). Por fim, merece ainda destaque Lucien Ballard, especialista da série B que valorizou com o seu talento filmes como White Feather (R. Webb, 1955), The Proud Ones (R. Webb, 1956) e Buchanan Rides Alone (B. Boetticher, 1958), transitando em meados da década de 1960 para westerns de grande orçamento como Nevada Smith (H. Hathaway, 1966), True Grit (H. Hathaway, 1968) e o célebre The Wild Bunch (S. Peckinpah, 1969).
The Searchers (1956), coleção do autor,
©Warner Home Video.
Um dos cineastas que melhor assimilou os valores plásticos da arte western na sua obra foi, sem dúvida, John Ford. Num dos seus primeiros filmes, Hell Bent (J. Ford, 1918), o realizador assumiu esta influência na cena em que Harry Carey contempla uma pintura de Remington, The Misdeal (1897), que ganha subitamente vida, dando inicio ao filme (16). Em obras como She Wore a Yellow Ribbon (J. Ford, 1949), The Searchers (J. Ford, 1956) e Cheyenne Autumn (J. Ford, 1964), o cineasta (e os seus diretores de fotografia) utilizam a paleta cromática para desenvolver um estilo pictórico, aliado a um tom por vezes contemplativo, que convida os espetadores a apreciar a beleza das paisagens de Monument Valley e a composição dos diversos planos que evocam a obra de Remington e Russell. Na opinião de Jim Kitses:
“She Wore a Yellow Ribbon incarnates Ford’s mature poetic style at its purest. Ford embraces the Technicolor to produce facsimiles of the West’s most prolific and accomplished painter, Frederic Remington. The effect is appropriately emblematic, capturing prototypical characters and events with a vigour and detail that often fixes the images as a series of iconic murals” (17).
A influência exercida por artistas como Frederic Remington ou Charles Russell no western de Hollywood é igualmente visível na representação de alguns episódios, claramente inspirados na obra destes artistas. Em Escape from Fort Bravo (J. Sturges, 1953) a cena em que os protagonistas se refugiam do ataque índio, numa vala circular, baseia-se em Fight for the Water Hole (1903) de Frederic Remington. Em The Man Who Shot Liberty Valance (J. Ford, 1962), a cena de abertura em que o fora da lei assalta a diligência, evoca uma pintura de Charles Russell, Big Nose George and the Road Agents (1895). Tal como na obra de Russell, o criminoso que dá título ao filme (interpretado por Lee Marvin), e os seus três comparsas, surgem vestidos com gabardina e um lenço no rosto, realizando a emboscada num ponto arborizado do caminho.
Apesar da enorme influência que a arte do Oeste americano exerceu no cinema de Hollywood, o western, na melhor tradição do cinema clássico, assimilou os valores plásticos e os temas que caraterizam estas pinturas e ilustrações, evitando excessos formais que comprometessem a “transparência” clássica. Deste modo, o western de Hollywood não exibe o tableau vivant, que surge perfeitamente diegetizado e integrado na narrativa (18).
O clima de paranoia política que se instalou na sociedade americana do pós-guerra, influenciou inevitavelmente o western, em particular filmes como High Noon (F. Zinneman, 1952) e Silver Lode (A. Dwan, 1954), que constituíram uma denúncia velada da perseguição política que assolou a comunidade cinematográfica americana, entre finais dos anos quarenta e meados dos anos cinquenta.
Coincidindo com a emergência do movimento dos direitos civis, os westerns da década de 1950 assinalam uma reabilitação dos povos nativos americanos em filmes como Broken Arrow (D. Daves, 1950), The Battle at Apache Pass (G. Sherman, 1952), Apache (R. Aldrich, 1954), Chief Crazy Horse (G. Sherman, 1955), The Indian Fighter (A. De Toth, 1955) e Run of the Arrow (S. Fuller, 1957). No início da década de sessenta, John Ford deu um importante contributo para a valorização da representação dos negros no cinema de Hollywood, e em particular no western. Sergeant Rutledge (J. Ford, 1960) foi o primeiro western protagonizado por um ator negro (Woody Strode), que desempenhou o papel de um sargento de cavalaria falsamente acusado de violação. O filme, inspirado pelo conto A Scout with the Buffalo Soldiers, escrito e ilustrado por Frederic Remington em 1889, antecipou, na sua denúncia do racismo, uma das obras mais aclamadas do início dos anos sessenta, To Kill a Mockingbird (R. Mulligan, 1962).
A morte do western clássico é indissociável do declínio, e posterior desintegração do sistema dos estúdios de Hollywood, em meados dos anos sessenta, uma década que ficou marcada pela Guerra do Vietname e a emergência da chamada contracultura. A influência do Euro-western e o aparecimento de uma nova geração de cineastas norte-americanos esteve na origem de um conjunto de westerns revisionistas e crepusculares, que marcaram o período pós-clássico da chamada New Hollywood (1967-1980). Em Filmes como Major Dundee (S. Peckinpah, 1965), Little Big Man (A. Penn, 1970), Soldier Blue (R. Nelson, 1970), McCabe & Mrs Miller (R. Altman, 1971), The Life and Times of Judge Roy Bean (J. Huston, 1972), Ulzana’s Raid (R. Aldrich, 1972), Pat Garret and Billy the Kid (S. Peckinpah, 1973) e Buffalo Bill and the Indians, or Sitting Bull's History Lesson (R. Altman, 1976), o cinema de Hollywood lançou um novo olhar sobre a história dos EUA, interrogando a sua politica imperialista, e utilizando o western como metáfora da Guerra do Vietname e dos conflitos sociais que marcaram as décadas de 1960 e 1970, filmando deste modo a agonia e a morte dos mitos, sobre os quais o western clássico fora erguido.
Conclusão
A epopeia do Oeste esteve na origem de um folclore que instituiu a figura do cowboy como símbolo nacional dos EUA. Entre os artistas que mais contribuíram para a mitificação da epopeia do Oeste e da figura do cowboy, encontravam-se pintores e ilustradores como Frederic Remington, Charles Russel e Charles Scheryvogel, cujos trabalhos constituíram durante muitos anos, a principal representação visual do Oeste americano, tendo influenciando gerações de produtores, atores, argumentistas e cineastas norte-americanos.
Durante décadas, o western de Hollywood reproduziu no grande ecrã toda uma galeria de personagens e situações arquetípicas que, em vésperas da I Guerra Mundial, constituíam já a iconografia idealizada de um momento histórico cristalizado no imaginário coletivo dos norte-americanos. Uma análise formal do western clássico permite-nos concluir que estes filmes nasceram numa relação simbiótica com a pintura, a ilustração e a literatura popular. Deste modo, através do western cinematográfico, e da sua mitificação do Oeste americano e da história dos EUA, o cinema de Hollywood difundiu mundialmente todo um conjunto de valores estéticos e ideológicos, que definiram o pensamento cultural e político norte-americano durante o século XIX, e grande parte do século XX.
NOTAS
(1) (Cowie 2004: 16)
(2) (Buscombe 2001: 154-166)
(3) As dificuldades técnicas que a fotografia ainda colocava, tornavam pouco prática a sua utilização na cobertura de acontecimentos em regiões distantes e locais de difícil acesso.
(4) (Buscombe 1988: 60-63)
(5) (Buscombe 2001: 160-61)
(6) (Langford 2005: 61-64)
(7) Graças ao Homestead Act, legislação promulgada pelo Presidente Lincoln em 1862 (continuada pelos sucessivos Presidentes até finais do séc. XIX), o governo dos EUA, atribuiu parcelas de terreno aos colonos que mostrassem ser capazes de os cultivar durante cinco anos (Buscombe 1988: 166-67).
(8) Nesse mesmo ano King Vidor realizou The Texas Rangers (K. Vidor, 1936), uma produção de “meia-série” com um jovem Fred McMurray.
(9) Comparativamente com Jesse James (H. King, 1939), Dodge City (M. Curtiz, 1939) e Union Pacific (C. DeMille,1939), o filme de Ford obteve um êxito de bilheteira modesto, em larga medida porque o seu protagonista, John Wayne, era ainda um ator de série B, que não gozava da popularidade de Gary Cooper, Tyrone Power, Errol Flynn ou Joel McRea. Na verdade, o que distinguiu realmente o filme de Ford dos restantes westerns épicos do final dos anos trinta e inícios dos anos quarenta, foram as filmagens em exteriores, na imponente paisagem de Monument Valley, que ficou para sempre associada ao nome do cineasta.
(10) Confessions of a Nazi Spy (A. Litvak, 1939) foi o primeiro filme abertamente antinazi da Warner Bros., mas mesmo em filmes de aventuras como The Sea Hawk (1940) realizado por Curtiz, o estúdio de Jack L. Warner não perdeu a oportunidade de criticar a Alemanha Nazi, estabelecendo um paralelismo entre a Espanha de Filipe II (com a sua invencível armada) e a Alemanha de Hitler, cuja poderosa Lutfwaffe, lançou no verão de 1940, o maior ataque aéreo da história, conhecido como The Battle of Britain.
(11) (Bazin 1998: 49-51)
(12) Em termos qualitativos os anos de 1939 a 1942 constituem uma primeira era de ouro do western clássico sonoro e os anos de 1946 a 1960, a segunda (e última) era de ouro do western de Hollywood.
(13) (Coyne 1998: 24-27)
(14) (Fidalgo 2009: 278)
(15) (Willis 1998: 161-167)
(16) (Gallagher 1986: 254)
(17) (Kitses 2004: 77)
(18) Na verdade, salvo raríssimas exceções, as referências diretas à pintura do Oeste americano ocorrem nos genéricos de abertura (opening titles) em filmes como Dodge City (M. Curtiz, 1939), The Last Hunt (R. Brooks,1956), El Dorado (H. Hawks, 1966) e Chisum (A. McLaglen, 1970) (Ortiz y Piqueras 2003: 183).
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ISSN 1988-8848
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